quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Especial de Halloween

Já era tarde, e a chuva não cessava. A garotinha sentada na varanda não consegui parar de chorar, abraçava com força as pernas, na tentativa de se encolher tanto a ponto de desaparecer. De súbito, levantou-se e pôs-se a correr em direção a floresta, descalça, seus pés quase afundavam na lama, se não fosse a velocidade com que corria. Mas se não fosse a velocidade e as lágrimas que a cegavam, ela não teria tropeçado numa raiz e caído bruscamente, desmaiando em seguida, enquanto a chuva continuava a aumentar. Por ali perto passava um rapaz que a encontrou e a levou pra sua casa.
Algumas horas depois a garotinha acordou num chalézinho quente e confortável. Agora ela estava seca e limpa, ao invés de seu vestidinho azul enlameado, trajava uma longa e larga camisola, e seus cabelos azulados estavam lavados, mas ainda úmidos. Ela hesitou, mas se levantou da cama em que estava. Temendo pisar em falso e cair, e se isso fosse um sonho, de acordar, esperou que seus pés se firmassem no chão antes de sair do pequeno quarto, então , caminhando lenta e cuidadosamente, saiu do quartinho e adentrou a saleta, onde havia um rapaz de cabelos brancos e olhos dourados. Em sua cabeça havia um par de orelhas brancas de coelho, ele trajava um colete quadriculado, e do bolso retirou um relógio dourado preso a uma correntinha.
Ela teria se assustado, se não o tivesse achado tão encantador. Ele tinha um sorriso caloroso, que a fez sentir segura para continuar a se aproximar, e deixa-lo segurar sua mão, guiando-a até a cozinha e afastando uma cadeira para que sentasse. Serviu-a uma xícara de chá e biscoitinhos, e tratou de sentar a sua frente, observando a pequenina com ternura.
-Então pequenina, como se chama? - Perguntou sorridente. Ela se encolheu na cadeira e devolveu a xícara ao pires. - Não precisa dizer se não quiser. Eu sou Félix, e acho que já deve ter notado, mas eu sou um coelho. - Ele falou apontando para suas orelhas e fazendo uma carinha travessa, que a fez rir.
-Feliz. - Ela falou, bebericando novamente o chá.
-O que disse?
-Significa, feliz. - Repetiu sorrindo.
-Você tem um belo sorriso pequenina! - Ele lhe disse cutucando seu nariz com o indicador, sem precisar se levantar ou se esticar.
-Só me faltam motivos pra isso. - Sussurrou voltando a beber o chá, quase se queimando. Com isso, a garota acabou por deixar a xícara cair, molhando a camisola.
A xícara caiu no chão, com a boca virada pra baixo, e por pouco não se quebrou. A pequenina começou a chorar, desesperadamente, pedindo desculpas, e se encolhendo na cadeira como se se defendesse de agressões. Félix levantou-se e a abraçou, hesitante, mas a abraçou forte. Aos poucos ela se acalmou e por fim ele a soltou, e foi até o quarto, voltando com outra camisola longa.
Ela agradeceu e foi se trocar no quarto, quando terminou, ela o encontrou sentado no sofá, distraído, observando fixamente o relógio. Silenciosamente sentou-se ao lado dele, e logo que o fez, ele acordou de seus devaneios e sorriu pra ela.
-Era do seu pai? - Ela perguntou.
-Perdão?
-O relógio.
-Ah... não, não era do meu pai... - Ele afagou as próprias orelhas, como se as penteasse de baixo pra cima.
-As camisolas eram da sua mãe? - Continuou perguntando, ainda fascinada com as orelhas dele.
-Da minha... esposa. - Respondeu soltando as orelhas aos poucos.
-O senhor é casado?
-Viúvo. - Ela se encolheu no sofá, abraçando as pernas como antes de correr pra floresta.
-M-Me desculpe... - Sussurrou se afastando um pouco dele, discretamente. Ele riu.
-Não se preocupe, já passou! - Falou sorrindo. - Eu ainda sinto um pouco de falta dela, mas ela me deixou a muito tempo, não posso fazer nada mais sobre isso.
Ela soltou as pernas com cuidado, virando-se pra ele pela primeira vez, observando seu rosto sem hesitar, ou vergonha por ele também a estar olhando.
-Você tem cicatrizes... - Ela disse aproximando a mão de seu rosto. - Assim como eu...
-Sim... tenho cicatrizes, mas devem ser diferentes das suas...
-Talvez...
-Mas você não é nova demais pra ter tantas cicatrizes? - Ele perguntou num sussurro preocupado.
-Os problemas não esperam que você tenha idade pras coisas.. - Ele abraçou forte.
-Pequenina... você não merece tanta dor... - Então ela começou a chorar, Felix continuou abraçado a ela, até que ela se acalmasse.
-Eu não quero voltar pra lá! Não quero! Eles vão continuar fazendo coisas ruins comigo! Vão continuar me machucando! - Falou agitada, mesmo assim ele não a soltou. Começou a afagar seu cabelo com carinho, um carinho com o qual ela não estava acostumada.
-Você não precisa voltar. - Ele disse sem notar que realmente o dissera. Por um momento ela parou de chorar e o encarou.
-Eu não... eu posso ficar aqui? É isso? - Perguntou, sorrindo animada.
-Claro que pode! - Respondeu-lhe com um sorriso tão grande e brilhante quanto. Ela o abraçou com força.
-Obrigada! Obrigada! Obrigada! - Falou quase voltando a chorar. Ele continuou abraçando-a, e a beijou na testa.
-Vai ser bom ter a companhia de uma bela donzela como você! - Disse apertando sua bochecha de leve.
-Clara.
-Clara?
-É o meu nome, Clara!
-Então, é um prazer tê-la comigo a partir de agora, Clara. - Sussurrou beijando-a de leve nos lábios.
-Eu amo você! - Ela disse afundando o rosto no peito dele.
-E eu vou conseguir te amar. - Félix disse.
E então estavam de volta ao jardim da escola.
-Vou fazer com que consiga me amar. - Ela sussurrou sorrindo, olhando em seus olhos e o beijando novamente.

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