sábado, 4 de abril de 2015

Como se não fosse de costume, lá estava ela na sua janela, bem acomodada lendo mais um de seus roteiros de teatro. Os cabelos úmidos denunciavam o banho recém tomado, mas seus olhos continham uma atenção extrema no texto.
-Já acorda lendo, que orgulho. - Sussurrou alguém próximo a ela. A garota pulou de susto, quase deixando o caderno cair pela janela, ato impedido pela pessoa que ali estava.
-Como chegou aqui? - Questionou se afastando.
Era um garoto, não aparentava ser mais velho que ela. Cabelos acizentados úmidos como os dela, olhos opacos como vidro sujo e um sorriso desafiador compunham sua aparência. 
- Eu tenho meus truques. - Lentamente, ele se esgueirou pelas grades da janela e adentrou o quarto. A menina ainda carregava a expressão de susto no rosto, ainda mais quando ele invadiu o recinto. - Surpresa? Pensei que já tinha se acostumado.
-Me acostumei com suas invasões pela porta, não pela janela! - Reclamou. O garoto riu e se deitou no sofá posicionado abaixo da janela, onde ela passava maior parte do dia.
-Ninguém mandou permitir que eu entrasse.
Essa foi a gota d'água. Mesmo sabendo que era inútil, começou a lhe bater com o caderno de seu roteiro favorito até que ele a jogasse contra parede pra que parasse.
-Por que.. continua vindo até mim? - Perguntou ofegante, enquanto ele lhe permitia que se arrastasse pela parede até encontrar algo em que se apoiar.
-Você adora histórias hã? Me deixe te contar uma. - Ele pôs-se a caminhar pelo quarto enquanto ela ainda estava surpresa pela força já outrora demonstrada dele. - Séculos atrás, quando eu fui morto, e depois retornado a vida, sua ancestral foi enviada pra me matar, mas não conseguiu, afinal, quase tivemos um filho. Uma pena eu ser estéril. - Ele a encarou por um tempo, e então foi até ela. - Após a morte dela, fui condenado a atormentar todas suas descendentes, até chegar a você querida.
-Já chega. - Ela se levantou, e tratou de lhe dar um tapa. Não lhe causaria dor, muito menos surpresa, ele já esperava aquilo.
-Não aja como se uma criatura como eu não tivesse sentimentos, é a única coisa em mim que consegue machucar querida! - Disse se fazendo de vítima.
- Você vem aqui, brinca comigo, me atormenta, e quer que eu seja gentil? Qual o seu problema? - Gritou se jogando em cima dele, furiosa e aos prantos.
- O meu problema, é que eu amo cada uma de você, a cada encarnação, e fazer você me odiar diminui a dor de te perder pra outro. - Explicou calmamente, e logo ela se acalmou, mas ainda chorava. - Ou para a morte. - Sussurrou passando os dedos pelo seu pulso, exatamente sobre suas veias. - Sem poder evitar.
Ela pousou os lábios sobre os dele, e depois mordeu o próprio, causando um sangramento leve, que fez com que ele se afastasse.
-Então me mate por si mesmo. - Sussurrou o beijando, atiçando sua sede de sangue. Ele não pôde se controlar perante aquilo. Seus caninos se alongaram, e lenta e dolorosamente penetraram a delicada pele da garota, causando um gemido de dor da parte dela, e um lamento silencioso da parte dele.
Logo ela caiu em seus braços, privada de seu próprio sangue, e presenteada pelo dele. Condenada a vida eterna sem mais encarnações por morte natural e a uma vida - morte ao lado daquele que causou a encarnação de si mesma por gerações, aquele que a amava e que ela amava.